Uma paixão lancinante dos anos 80, a aspereza das nuances entre a mãe e a mulher e crônicas que enchem a vida de romance e bom humor compõem centenas de histórias para se deliciar, se divertir e se humanizar dos livros Ricardo e Vânia de Chico Felitti, O peso do pássaro morto de Aline Bei e Amora de Natalia Polesso.
A delicadeza dos bons livros nos coloca a refletir sobre a beleza complexa e contraditória da vida. Ao mesmo tempo que têm o poder de nos conduzir ao simples e essencial, nos presenteiam com desfechos únicos e originais nas diversas vozes de seus personagens.
Além disso, a potência dos livros nos convida a uma eterna revisita: de que pelos personagens, tomemos fôlego, e nos reconheçamos!
Um fôlego para se surpreender
Personagens que desafiam séculos de tradição estão mais que presentes na grande história de amor (e não só!) de Ricardo e Vânia. Não somente, aliás, contados pelos próprios, como por toda uma geração que se tocou pela presença de Ricardo na São Paulo dos anos 70 e 80, ou na figura de "Fofão da Augusta", como era conhecido.
Chico Felitti, jornalista e autor do livro foi além ao investigar e viralizar a história por detrás do sujeito que carregava um litro e meio de silicone cedido no rosto, de postura errática e enigmática que havia feito por muitos anos das ruas de São Paulo seu lar e personificado uma verdadeira lenda urbana na cidade.
Um passado de fama e sucesso como cabeleireiro e maquiador, uma grande história de amor vivida com Vagner que mais tarde se tornaria Vânia Munhoz, e tantas outras histórias surpreendem e questionam os ideais de corpo, beleza, sexualidade, saúde mental, fama, sucesso e dinheiro num "sacode a poeira" brutal de sua época - uma verdadeira provocação ao divã coletivo, se me permitem a comparação.
Ricardo e Vânia é uma história de tirar o fôlego por sua intensidade que nos inspira!
Um fôlego para se resgatar
E por falar em intensidade...
Uma mulher marcada pela maternidade que a todo custo tenta buscar seu lugar ao sol e se descolar de um passado perturbador e de um estigma social prêt-à-porter sobre o corpo da mulher, e o corpo da mulher-mãe!
Dos seus 8 aos 52 anos, acompanhamos a originalidade, a delicadeza, a dor e poesia de uma pessoa que busca e luta por sobrevivência, por descobrir quem se é o que a vida pode a proporcionar.
Numa vivência radical sobre a maternidade, com direito a toda diversidade, ambivalência, lascividade, bile possível, em seu primeiro livro, Aline Bei nos relata outra história de tirar o fôlego!
Acompanhar seu jeito inusitado entre o vai-e-vem dos parágrafos também nos coloca num ritmo dinâmico e cortante junto da personagem. Um livro que chacoalha!
Um fôlego para a rotina
Do café às crônicas um livro que vivifica relações amorosas entre desastres e inseguranças cotidianas que acompanham todas as boas, divertidas - ou nem tanto -, curtas ou longas, histórias de amor.
Ganhador do Prêmio Jabuti 2016 na categoria "Contos", Amora é um livro doce, irônico, bem-humorado. Sem falar nas vivências dos relacionamentos homossexuais das diversas figuras femininas, o livro vai além e traz diversidade também na escrita passeando entre trocas de emails, crônicas, indo até uma escrita mais abstrata e poética.
Em "Saliva", um de meus contos proferidos, Natalia Polesso nos enche de vida e lirismo:
"E eu penso: vai!, nem que saia pela boca mesmo, já que nos dedos a coisa congelou e já que a cabeça dança e dança e não se endireita para alinhar as faltas e preencher as falhas. O pior é que fica tudo meio que na pele, meio que nos pelos, meio que numa acidez nervosa, dos lados, lá no fundo da boca. Mas é só vento, desejo e saliva." p.231.
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